MEU NOME É CASSANDRA CORBU
por Ademir Pascale - ademir@cranik.com

 

Este conto é parte integrante da obra que o autor Ademir Pascale ( ademir@cranik.com ) está trabalhando. Todos os direitos estão reservados para o autor.

 Sul da França. Aldeia de Rennes-le-Château, em algum dia de outono do ano de 1877.

Desde criança, eu enxergava coisas que os outros não enxergavam... O que eu via? Pessoas... mas não pessoas normais de carne e osso; enxergava espectros.

Tudo começou quando eu tinha apenas 14 anos de idade, quando arrumei meu primeiro namorado; David Uriel - este era o seu nome. Nas tardes de Outono, costumávamos passear de nossas casas até a igreja de Santa Maria Madalena. O caminho era curto, mas a prosa era longa. Não saberia dizer de onde desencadeávamos tantos assuntos. Sentia-me bem ao seu lado... sua expressão era sempre sorridente; seu espírito tinha uma força benevolente e sua fala era talhada de sabedoria e cordialidade. As minhas perguntas eram sempre supridas com elucidativas respostas, porém, em uma tarde como todas as outras, não o encontrei no lugar e horário onde sempre costumávamos nos encontrar; no final do grande jardim de peônias de sua casa às 17h em ponto. Esperei por trinta minutos; minutos que duraram uma eternidade... O desespero tomou conta do meu ser de tal maneira, que não mais enxergava os mesmos de minha espécie. Passei a vaguear com meus amigos invisíveis, mas a falta de David era grande, e, o que parecia uma simples tarde de outono, se tornou em uma terrível e diabólica armação do destino, talvez proposital, pois se não fosse por tal acontecimento, jamais saberia que seria capaz de tal feito. David estava de namorico com umazinha atrás da igreja de Santa Maria Madalena. Quando notei tal cena, ouvi os gritos dos espectros que me acompanhavam; estavam aparentemente assustados e giravam descontroladamente fazendo um círculo ao meu redor. Senti um fervor correr em minhas veias e, pela primeira vez, entrei em transe e visualizei imagens de mundos paralelos; vi seres indescritíveis e descomunais em tamanho; vi mundos habitados longe do nosso sistema solar; vi o céu e os seus anjos salvadores, mas também vi o inferno e a sua legião de demônios alados, e, estranhamente, notei que todos - sem exceções -, estavam dentro de um gigantesco útero; o útero vivo de uma grande mãe, de um ser descomunal; de uma Deusa; de uma mãe progenitora. Aquele momento pareceu durar uma eternidade, mas quando voltei a enxergar o meu plano terrestre, notei que aquele que me jurou amor, estava na mesma e traidora posição. Meu vasto ódio desencadeou um poder de destruição, gerando a morte de toda a vegetação dos quais meus olhos poderiam alcançar. Aquele tedioso crepúsculo logo se tornou em trevas, e notei bolas de fogo caindo do céu como pequenos cometas, e, ao se aproximarem, percebi que eram estranhos e antigos espectros em suas reluzentes armaduras adentrados em grandes e equipadas carruagens de fogo puxadas por robustos e fantasmagóricos cavalos, que, ao chegarem ao solo, saltavam de suas carruagens iniciando uma desritimada e frenética dança que, talvez em outrora, fosse um ritual para o início de uma grande batalha; enquanto que um som de tamborins - imperceptível para os ouvidos humanos -, acompanhava paralelamente aquele estranho ritual. Os trovões se mostravam impetuosos, anunciando uma grande tempestade, e, naquela noite, o Caos tomou conta da pequena e pacata aldeia de Rennes-le-Château. Todos corriam, e eu continuei imóvel; molhada de tal maneira, que não se percebia se estava vestida ou simplesmente, nua. Visualizei o Padre Francois-Bérenger Saunière fazendo o sinal da cruz desenfreadamente em uma das torres da igreja a qual ele mesmo intitulou de Torre Magdala. Uma matilha de cães entrou em alvoroço; corriam, escorregavam e rolavam na lama juntamente dos transeuntes que procuravam desesperadamente por um abrigo. David tentou proteger a jovem garota com seu casaco, mas a força da chuva era tão aterradora, que nem as telhas conseguiam proteger suas casas.

David me viu; na chuva e imóvel. Seus grandes olhos penetraram os meus. A garota nada entendia, apenas puxava o assustado garoto para dentro da igreja, como se isso fosse salvá-lo da traição. Naquele momento, senti meu espírito saindo do meu corpo e do alto, notei aquelas moradias pálidas e aqueles vultos correndo em lamacentas ruas de um lado para o outro e, também pude me notar, lá embaixo, no meio daquele Caos, dentro de um grande círculo de fogo, encharcada, estática, traída... percebi que o que acontecia, era algo vindo do meu interior; eu tinha desencadeado uma força que ainda não conhecia, então, notei que não era como David e sua nova garota, nem como minha mãe, minhas irmãs, o Padre Francois-Bérenger ou minhas amigas... eu era diferente... diferente de todos eles; diferente de todos daquela maldita cidade... quem sabe diferente de todos deste mundo...

Dez anos se passaram, era uma moça feita, com 24 anos de idade, cabelos longos, olhar sério; penetrante e carregado de sabedoria. Elucidativamente, tinha entendido quem realmente era – Diana; Maria Madalena; Melusina; Perséfone; Afrodite; Hera; Astartéia; Hebe; Amaltéia; Ártemis; Íris; todas as sete Míades e Éris, a deusa da Discórdia –, todas se manifestavam como uma grande torrente nesta pequena e jovem matéria chamada de Cassandra Corbu, mas, infelizmente, ainda não sabia por que era diferente das outras pessoas: não sabia por que visualizava coisas que os outros não viam; não sabia qual era a razão de tamanha anormalidade em um ser aparentemente simples; normal. Foi nesta época em que me decidi em deixar meus pais e irmãos e ir para Paris, pois além da independência que meu ser necessitava, estava com saudades daquela apelidada de Dama de Ferro. Felizmente, meu pai me deu uma quantia suficiente para me manter por uns seis meses, e, isso para mim bastou, pois ao chegar em Paris, me acomodei em um simples hotel, descansei por algumas horas e já sai em busca de emprego. Não sei dizer se uma moça do interior é diferente das moças da cidade, mas todos os homens que cruzavam meu caminho, ficavam boquiabertos; estáticos. No primeiro dia fiquei assustada, confusa e acanhada, pois achei que estava chamando a atenção por algum motivo que fugia do meu conhecimento; quem sabe por causa dos meus simples trajes ou aspecto de moça do campo, mas notei que todas as outras moças se vestiam com mais luxo, porém, semelhantemente. Meus pés estavam nus, gostava do contato direto com a mãe terra, mas descartei esta hipótese, pois eles não olhavam para meus pés; seria patético e estranho uma moça procurar emprego descalça e em pleno centro comercial de Paris, se ela não se chamasse Cassandra Corbu. No segundo dia, já estava acostumada com os olhares petrificados dos homens; já não me incomodavam... não mais. Este dia foi muito produtivo, pois na terceira rua em que entrei, notei na vitrina de um Sebo, uma pequena placa amarelada - talvez pelo desgaste do tempo. Forcei a visão e pude ler: “Precisa-se de Vendedora”. Apressei o passo e adentrei-me no acolhedor recinto, e, ao abrir a porta de vidro, ouvi um som de sinos. O local estava vazio, exceto por um senhor de estatura mediana atrás de um velho balcão de madeira que, devido a excessiva quantidade de livros expostos em cima do balcão, notava-se apenas a sua reluzente cabeça, salvo por uma única e lustrosa mecha de cabelos que ia do centro da cabeça até uma das sobrancelhas, parecendo que, apesar da carência de cabelos, o que restava, causava-lhe transtorno, pois tinha o hábito de um irritante e repetitivo tique de jogar a mecha para trás de uma das orelhas, tentando sem hesito, fazer uma curva, mas estes rebeldes e poucos cabelos, faziam questão de retornarem ao costumeiro local: em cima da sobrancelha do olho esquerdo. Aproximei cautelosamente, pois notei que o som dos sinos que causei quando me adentrei no recinto, não surtiram efeito, pois aquele senhor parecia muito concentrado no que fazia. Cheguei tão próxima dele, que pude notar que todos os livros que estavam em cima da mesa, eram do gênero Ocultismo e Bruxaria. Fiquei imensamente feliz, pois aqueles eram meus gêneros prediletos. Incrivelmente, aquele senhor ainda não tinha me notado, e, aproveitei alguns minutos para observar melhor o ambiente onde pisava; tudo parecia organizado, mas fora dos padrões dos sebos ou livrarias tradicionais. As estantes dos livros estavam organizadas de tal maneira que formava um perfeito círculo no meio da sala, e, bem ao centro, no chão, um círculo desenhado esforçava-se para ser visualizado e, pelo pouco que conheço sobre a bruxaria e o ocultismo, poderia chamar aquela ilustração de “Pentagrama”. Pensei durante alguns segundos: o que fazia um pentagrama no chão de um Sebo no centro comercial de Paris? Era tudo diferente, porém, agradável; me senti muito bem naquele acolhedor local que me enchia as narinas com o aroma de cravo e canela, que, mas parecia um santuário, bem diferente dos outros Sebos de minha cidadezinha; escuros e com um forte odor de mofo. Sentia-me completamente inebriada naquele ambiente. Realmente, sabia que tinha de trabalhar ali. No momento em que me decidi quebrar o gelo e falar com aquele senhor de uma vez por todas, para meu espanto, ele já estava prontamente me olhando; fixamente.
- Finalmente você chegou – disse com uma certa seriedade – Estávamos lhe esperando há mais de dois anos.
Fiquei confusa... Eles me esperavam? Eles quem? Nunca estive naquele local antes e, nem sequer conhecia aquele senhor... E por que ele mencionou “nós estávamos lhe esperando”, se estava completamente sozinho?
- Desculpe, você deve estar confusa. Explicarei melhor... Meu nome é Piedro Dénarnaud e, há vinte e sete anos atrás, conheci uma jovem garota chamada Helena Mansfield. Na época, eu era apenas um estudante do 2º ano de jornalismo, que vivia rodeado de jovens e belas garotas, mas, sinceramente, nenhuma delas me persuadia; seus belos rostos e moldados corpos, escondiam um Hyde interior. Vou ser sincero, não quero fazê-la perder o seu tempo, mas precioso é o tempo em que me dedico lembrando de Helena Mansfield; aquela moça de olhar sério, parecia viver em um outro mundo, sempre sozinha; ora lendo, vez ou outra, olhando para o azul do céu ou para as lisas e frias paredes da universidade... isso me tocava profundamente, queria saber quem realmente era ela; queria conversar, saber o seu passado, saber a sua música predileta... queria tocá-la. Quando tive coragem de me aproximar, fui muito bem recebido com um eterno sorriso, e, dentre tantas frases que ouvi desta bela moça, a que mais me recordo é: “Sou obrigada a manter meu corpo encerrado em uma caixa, como se fosse um violino raro, muito raro”. Na realidade, só com o tempo entendi o que ela realmente quis dizer: Não poderia ser realmente quem ela era, e sim, o que seus pais gostariam que ela fosse... Nos tocamos. Nos amamos. Fugimos. Nos casamos e tivemos uma filha; Marie Dénarnaud Mansfield, mas, infelizmente, não conhecera a mãe, pois faleceu devido a desventura de uma hemorragia no parto. Nos dois anos em que convivi com Helena, aprendi coisas que jamais ousara sonhar em aprender; pois eu enxergava o mundo de uma outra maneira; ela me abriu as portas da percepção. Hoje, passo horas lendo; lendo incansavelmente, e, parece que em cada frase que absorvo, entendo mais de Helena Mansfield. Ela me mostrou o sentido da vida; o poder das energias; a força da natureza... aprendi a degustar um bom vinho com moderação; aprendi a ciência da cozinha e a mistura mágica dos condimentos... aprendi a viver e vivo aprendendo cada vez mais, pois Helena Mansfield me deu esse poder.
- E sua filha, onde está? – disse a curiosa Cassandra.
- Minha filha trabalha em uma grande editora aqui de Paris, ela exerce o cargo de revisora e, nas horas vagas, dedica seu tempo a uma religião neo-pagã; ela é uma sacerdotisa, assim como sua mãe era.
- Já ouvi falar muito dessas religiões. Percebi que até este ambiente está impregnado com esta sabedoria milenar; tanto no sentido visual como espiritual.
Piedro olha em sentido a uma porta fechada que se encontra no fundo do recinto. Balança a cabeça como se concordasse com algo. Sinto meu sangue gelar ao notar seus olhos estáticos; petrificados por alguns segundos, como se estivesse em transe... Pensei que isso só acontecia comigo, e, em um único dia, fiquei sabendo da história de Helena

Mansfield; Marie Dénarnaud Mansfield , e agora, de Piedro Dénarnaud, que apresenta os mesmos sintomas de uma pessoa paranormal, como eu... mas agora não sei mais se isto que sinto e que visualizo são sintomas de paranormalidade... talvez nós sejamos normais e os outros, anormais... (continua)

O autor Ademir Pascale: A personagem Helena Mansfield foi uma homenagem que fiz a grande escritora neozelandesa, Katherine Mansfield (1888-1923). Cito o Padre Francois-Bérenger Saunière (1852-1917), pois este senhor já me fez sonhar por muito tempo; tentando decifrar quais terríveis segredos teria levado para sua tumba... Francois-Bérenger Saunière já inspirou muitos autores, entre eles, Dan Brown. O sobrenome "Corbu" também não é fictício, e está envolvido com o Padre Saunière - Corbu vem de uma família da aldeia de Rennes-le-Château, no sul da França; não poderia deixar de citar em meu conto a igreja de Santa Maria Madalena, também cituada na aldeia Rennes-le-Château, até os dias atuais. O sobrenome Dénarnaud da personagem Piedro Dénarnaud, também vem do enredo que engloba Saunière. Cassandra Corbu foi minha personagem mais forte criada até hoje, e, pretendo dar sequência neste conto e outros, claro, pois uma personagem forte como esta, não poderá ficar no esquecimento.

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MEU NOME É CASSANDRA CORBU
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Música de Antonio Lucio Vivaldi (1678-1741)

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