CRÍTICA - GOMORRA:
O maior impacto de
“Gomorra” é, com certeza, seu jeito não mafioso de
ser, como se contrariasse toda e qualquer dogma
sobre esse quase esteriótipo criado em nosso
sub-consciente coletivo, constatando um lado crú que
a granda maioria não a faz a mínima idéia que
exista. “Gomorra”, em um trocadilho com a cidade
bíblica, nõ só no sentido gamatical, é a adaptação
do best-seller italiano, de mesmo nome, escrito por
Roberto Saviano, que retrata a Camorra, máfia da
região de Nápoles, uma das mais antigas do mundo, e
hoje, uma das mais bem sucedidas em seus ramos.
E a Camorra é exatamente isso, uma rede de crime
organizado que procura ser bem sucedida em seus
ramos, como se criasse uma teia invisível que
alcançasse todos lugares onde o crime conseguiria
alcançar. De falsificação de vestidos até eliminação
clandestina de resíduos tóxicos, tudo passa pelas
mãos desses “mafiosos”, separados por suas facções,
mas que, juntos acabam abraçando todo um país. E é
exatamente isso que o diretor Matteo Garrone faz
como “Gomorra”, atinge seu alvo atirando para todos
lados.
Primeiro de tudo, Garrone parece fazer toda questão
do mundo de desconstruir totalmente toda e qualquer
imagem pré-definida de gangster ou mafioso, é como
se, em segundos, conseguisse tirar todo glamour que
o cinema vem colocando sobre esses personagens e
jogá-los no mesmo lugar que os criminosos “mortais”
de qualquer periferia do mundo. Não que isso seja
uma escolha, na verdade sua única, optando pelo
real.
O diretor italiano faz um filme que não consegue ser
apreciado de perto, formando um mosaico, onde cada
detalhe perde o sentido separado, necessitando de
alguns passos para trás de modo a enxergar toda sua
beleza, e esse desconstrução é só a ponta do
iceberg, depois que se enxerga esse lado humano,
você é obrigado a mergulhar de cabeça nesse mundo
sem volta.
A decisão de segmentar toda história em sua
narrativa, acaba sendo o maior acerto do filme, já
que assim, o espectador acaba sendo rodeado
totalmente por elas, sufocando pelos caminhos que os
personagens tomam à sua frente, sem uma sub-trama
mais, ou menos, importante, apenas essa tentativa de
mostrar um retrato maior. Para os menos acostumados,
coisa que pode incomodar, já que o filme é composto
de histórias que praticamente não se esparram e nem
se fundem ao melhor estilo hollywoodiano de
reviravolta. É como se elas apenas co-existissem,
jogando uma âncora no real e não se desprendendo de
jeito algum.
Com toda essa força, sobra a “Gomorra”, ser um filme
à flor da pele, em que você se emociona ao ver os
personagens serem jogados nesse vórtice sem volta,
que só parece ter um fim, o de uma tragédia
anunciada. Garrone faz você ver toda inocência do
menino Totò se esvair em seus olhos a cada momento
que tenta não responder, em frente a porta do
necrotério, a pergunta que, ele sabe, o jogará para
dentro daquele mundo, e te faz sofrer ainda mais
quando a câmera o encara enquanto anda em sua
direção, de costas para o resultado inevitável de
sua decisão, como se ali anunciasse o fim de sua
infância, muito mais do que, momentos atrás enquanto
levava um tiro sob um colete em uma espécie de
ritual de passagem.
O diretor italiano faz um trabalho tão bom compondo
um clima durante quase todo filme, que, quando seu
climax começa a despontar em frente dos olhos do
especatdor, por mais que fosse difícil não imaginar
tudo aquilo, todos parecem perder todo conforto em
suas cadeiras, como se tivesse desaprendido a
encarar tudo aquilo e, de uma hora para outra fossem
obrigados a aceitar tudo aquilo que passa a
acontecer. Por mais inevital que seja, não há como
não se identificar com a dupla de jovens que só
querem ser o “Scarface”, como um deles diz deitado
em uma banheira vazia usando uma camisa florida como
o do personagem de Al Pacino, ambos só querem dar um
fim nos colombianos traficantes de droga, e atiram a
esmo com suas metralhadoras, como duas crianças e
seus presentes de natal. É quase impossível não ter
um aperto no estômago em pensar no que aquilo vai
dar.
O diretor italiano junta essas duas histórias, com
outras três, e consegue criar esse retrato geral,
não tentando escapar de uma modo linear, cada uma
anda com suas próprias pernas, simultaneamente,
convergindo juntas e não deixando o espectador
respirar, e talvez o mais importante, à distância.
Em momento algum Garrone parece tomar um lado, até
por que, não existe um a ser tomado, ninguém se
exime de culpa e, cada qual, contribui com toda essa
loucura de seu jeito. Como se tivesse um cuidado de
não mostrar ninguém “bonzinho” o suficiente para não
eclipsar os personagens da trama. Mais ainda, deixa
aquela impressão de que a bondade não tem coragem de
chegar perto deles, afastando, até quase que
totalmente, a imagem da polícia durante todo filme.
“Gomorra” é um soco no estômago, daqueles que te
deixam sem ar e arregalam seus olhos para um verdade
nua e crua, que nasce para se tornar um clássico do
cinema, principalmente por não se preocupar em ser
nada além disso, como se não quisesse ser moderno,
nem ter uma trilha sonora bacana em uma edição à
jato com seus personagens cheios de carisma,
“Gomorra” só quer contar uma história, por mais feia
e suja que ela acabe se mostrando.
Ficha Técnica
Título Original: Gomorra
Gênero: Drama
Duração: 137 min.
Ano: 2008
Distribuidoras: IFC Films / Paris Filmes
Direção: Matteo Garrone
Roteiro: Maurizio Braucci, Ugo Chiti, Matteo Garrone,
Massimo Gaudioso, Roberto Saviano e Gianni Di
Gregoria, baseado em livro de Roberto Saviano