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QUANDO ÉRAMOS CRIANÇAS 
por Almir Pascale Cardoso - Cronista, formado em administração de empresas. - almirpascale@ig.com.br
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FOTO MERAMENTE ILUSTRATIVA

"Como acabar com tudo isto? Como salvar o pouco que ainda resta das matas e os poucos animais que ainda lá vivem? Prender os proprietários das terras? Os carvoeiros? Os motoristas dos caminhões? Ou será que seria melhor ir até a origem do problema?" 
Almir Pascale Cardoso

    Quando éramos crianças, nas férias de Julho meu pai e minha mãe passavam dias preparando as malas, comprando presentes, fazendo a manutenção do fusca... e alguns dias depois lá estávamos nós na estrada, rumo ao norte de Minas Gerais. Já próximos de nosso destino, enfrentávamos aproximadamente 100km de estrada de terra. Para mim, era a melhor parte da viagem, eram quilômetros e quilômetros de imensas matas virgens, rios, lagos, vez ou outra, animais cruzavam a estrada. Dependendo do horário poderíamos cruzar com cachorros do mato, veados, emas... ao céu, gaviões em movimentos circulares em busca de presas, araras, papagaios e pássaros de todas as cores. Chegando na fazenda de meus avós, uma bela floresta tinha inicio há poucos metros da sede. Era perigoso devido aos animais selvagens (inclusive onças), às cobras, aos arbustos repletos de espinhos e outros. Mas assim que os adultos se distraiam, lá estava eu no meio do mato a admirar a natureza, sentir o cheiro do mato, ficando quietinho atrás de uma árvore a admirar um grupo de sagüis... Hoje, as imensas matas virgens sumiram, a fazenda de meus avós é uma terra com pasto mal cuidado, com vários pontos de erosão e áreas em avançado processo de desertificação. Os cachorros do mato sumiram, as emas ninguém sabe onde estão, sem as matas para se esconderem os veados foram caçados até não sobrar um único exemplar. E onde está a cantoria dos pássaros... O que causou esta drástica mudança? A ganância, o imediatismo, a falta de fiscalização por parte dos órgãos governamentais e a falta de consciência e respeito para com o meio ambiente. O povo da região, sem oportunidades de trabalho, sem perspectivas de dias melhores, sem consciência ecológica e sem pensar no futuro de suas famílias, futuras gerações e mesmo de si próprios, cederam a cobiça e a conversa fácil dos carvoeiros (homens que arrendam florestas, constroem uma infinidade de fornos de barro, e em uma velocidade fantástica, transformam maravilhosas florestas em inúmeras cargas de carvão). Como o povo da região não perderia a terra, apenas a cederia por algum tempo, não teria o menor trabalho, pois toda a mão de obra ficava a cargo dos carvoeiros, e ainda ganhavam algum dinheiro, muita gente “vendeu” suas matas. Hoje, ainda persiste o desmatamento do pouco que resta, a maioria dos carvoeiros foram embora, pois agora quem produz o carvão são os próprios proprietários. Estes constroem os fornos, compram as moto-serra, contratam trabalhadores e vão tornando a região cada vez mais desoladora. Nas estradas de terra, caminhões com cargas que superam e muito sua capacidade, trafegam com certa dificuldade. Vez ou outra um caminhão tomba devido ao excesso de peso e as condições da estrada. Mesmo assim o vai e vem dos caminhões continua... Estes procuram trafegar à noite em caminhos alternativos para fugir da fiscalização. E para onde vão? Para indústrias da região que usam o carvão vegetal como energia.

Como acabar com tudo isto? Como salvar o pouco que ainda resta das matas e os poucos animais que ainda lá vivem? Prender os proprietários das terras? Os carvoeiros? Os motoristas dos caminhões? Ou será que seria melhor ir até a origem do problema? Se há o desmatamento, se os fornos continuam a queimar as matas, se persiste os caminhões de lá para cá com as cargas de carvão, é porque existe comprador. E compradores que sabem o que estão comprando. Se é difícil fiscalizar os proprietários de terra, se a fiscalização não possui homens suficientes para evitar que os caminhões continuem a circular por caminhos alternativos, por outro lado é fácil fiscalizar as industrias que utilizam tal matéria prima, pois não são tantas assim... Então o que os órgãos governamentais esperam para desativar tais industrias? Sim desativar, porque multas não seriam suficientes para repararem a destruição que incentivaram e continuam a incentivar. Sem compradores, as moto-serra irão parar, os fornos serão desativados, os caminhões irão parar de circular, e quem sabe... poderemos voltar a ver um cachorro do mato atravessar a estrada, e no alto um gavião em busca de suas presas que aos poucos reaparecerão.

É certo que caminhoneiros, ajudantes, operadores de moto-serra, funcionários das indústrias e até os proprietários das terras, perderão uma de suas fontes de renda, e em alguns casos, a única. Porém não será cometendo erros que resolveremos os problemas de tais regiões. Cabe ao poder público, iniciativa privada e mesmo das populações locais, a procura por fontes de renda que respeitem o meio ambiente e lhes traga condições dignas de sobrevivência.
 

Autor:  Almir Pascale Cardoso - Cronista, formado em administração de empresas. - almirpascale@ig.com.br

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