CRÍTICA - WATCHMEN:
Quando foi lançada,
entre 1986 e 1987, as doze edições de “Watchmen”
mostravam que uma história em quadrinhos (HQ) não
precisava ser sobre super-heróis e vilões e muito
menos feitas para crianças. Mas, “Batman- O
Cavaleiro das Trevas” já não fez isso? Perguntaria
meu inquieto leitor (no singular mesmo), não, Batman
extrapolou o gibi e se jogou em um suspense
policial, criou uma franquia que se permitirá ser
remoída de tempos em tempos. “Watchmen” é sucinto,
te coloca em um outro mundo por quase três horas, te
chacoalha, maltrata e por fim te faz sair do cinema
com um sorriso esquisito, que poderia ser confundido
com um certo aperto no estômago e só, acabou e, do
mesmo jeito que a minissérie, se colocará em um
canto de seu cérebro para sempre.
Mas, comparar o filme de Zack Snyder com a
minissérie é uma covardia enorme, já que, aquilo que
aparece na tela é exatamente o que foi escrito por
Alan Moore e desenhado por Dave Gibbons, como se
você sentisse que estivesse lendo o gibi. Do visual
ao roteiro, passando por uma montagem que se escora
completamente na HQ, tudo parece ter saído direto do
papel (Snyder usou os quadrinhos da série como
storyboard e até permitia/aconselhava aos atores a
usá-los como roteiro).
Se por um lado, isso faz os leitores se deliciarem
com a fidelidade do filme com a obra, por outro
provocará muitas, mas muitas mesmo, caras feias ao
fim da sessão. Mesmo com o roteiro de David Hayter e
Alex Tse tendo toda sensibilidade possível para
cortar, remontar e recontar muitas parte da HQ,
transformando o resultado final em algo muito mais
mastigado, e até empobrecido.
Snyder, Hayter e Tse parecem muito mais preocupados
em criar uma adaptação que respeite a minissérie do
que propriamente fazer um blockbuster zilhardário,
coisa semelhante com o que o diretor fez em seu
“Madrugada dos Mortos”, tentando entender a idéia
por trás do original, refilmando-a e obtendo quase o
mesmo resultado. Seu “Watchmen” não se acovarda
diante da HQ, e muda o que tem que mudar, mas tudo
de um jeito que nenhum fã conseguirá reclamar,
respeitando a obra original e se preocupando única e
exclusivamente com um resultado dramático que se
equipare com o da minissérie, e isso ele consegue
com facilidade.
No filme, assim como na HQ, após o vigilante (watchmen
no original inglês) outrora chamado Comediante ser
violentamente espancado e arremessado do alto de seu
apartamento no qual curtia sua aposentadoria,
Rorschach, ainda atuando de modo marginal, passa a
desconfiar de uma trama por trás dessa simples
morte, resolvendo assim ir atrás dos outros
“marcarados” com qual lutavam em parceria, mas que
tiveram que largar o “trabalho” graças a uma lei que
os colocou de lado.
E é nesse clima de intriga que o filme (assim com a
HQ) traça não só um paralelo com toda uma realidade
sócio-politica, como faz de tudo para desconstruir
todos dogmas que acompanharam os super-heróis até
aquele momento. De um modo maquiavélico (citando o
filósofo) tudo naquele mundo de 1985 lembra alguma
coisa, mas de um jeito um tanto quanto deturpado,
jogando os super-heróis em um mundo real, onde eles
realmente fizeram a diferença. Ninguém alí é um poço
de virtuosidade, mas no fim parece entender que,
para se fazer um omelete, antes é preciso quebrar
alguns ovos (parafraseando Maquiavel).
Snyder parece ter tudo isso tão em mente, que
consegue controlar totalmente o filme, de seu início
ao fim, sem se preocupar em apresentar um filme bem
mais complicado, e complexo, que o que se vê por aí,
problema que é facilmente resolvido com um ritmo
dinâmico, um visual impecável e uma linha narratica
impressionante, que envolve tudo a sua volta e te
carrega para um clímax extremamente bem-vindo e
coerente, tanto quanto o da HQ.
Se do mesmo jeito que acaba se mostrando um filme
narrativamente complexo, que faz de tudo para não
apelar para um ou outro atalho apenas para buscar
uma aceitação, criando um filme até certo ponto
complicado, que exige uma certa reflexão a cada
momento, como se apenas se deixasse entender aos
poucos, sem pressão de se tornar fácil, “Watchmen”
cai na própria armadilha quando tenta se tornar um
produto superestimado de uma indústria que só sabe
subestimar seus produtos.
O grande público ficará incomodado exatamente com
essas mesmas coisas que tornarão o filme algo
diferenciado, não por uma preguiça de pensar, mas
por uma falta de costume de exercitar isso. Muitos
sairão reclamando exatamente das coisas que tornam
“Watchmen” algo único. Por contextualizar tão bem a
violência do filme, o espectador acaba não dando de
cara com um momento, mas sim um clima inteiro, como
se criasse um aperto no estômago generalizado, mas
sem dar ênfase em uma ou outra sequência, deixando
tudo por trás da trama do filme, e com isso o
público não sabe conviver, já que se a trama do
filme não simplesmente parar para mostrar uma ou
outra cena mais forte, fica como se ela não tivesse
acontecido. Vide a maioria esmagadoras dos
Blockbusters que lotam as salas de cinema.
O mesmo pode se dizer de suas cenas de ação, com
sequências de lutas extremamente pontuais dentro do
filme, servindo exclusivamente para carregar a
trama, mas que, um ou outro espectador é capaz de
não conseguir enxergar toda força e beleza delas
(tudo bem, com uso um pouco exagerado de câmera
lenta, mas é algo já de se esperar devido ao estilo
do cineasta). Como se criasse um tipo de
incompreensão do público, que não entende que a
grande ação do filme não vem de explosões,
perseguições e socos, mas dos rumos da trama, da
complexidade dos personagens, e de como suas ações
movem tudo para um final inevitável.
Snyder decide fazer de seu “Watchmen” um filme de
super-heróis silencioso que cutuca as entranhas não
só dos próprios mascarados como de todos que dão de
cara com a adaptação mais complexa da mini-série
mais complexa da história de ambas mídias. Agora, é
esperar para ver o que sobrará depois que tudo vier
abaixo com ele.
Ficha Técnica
Título Original: Watchmen
Gênero: Ficção Científica
Duração: 163 min.
Ano: EUA / Inglaterra / Canadá): 2009
Distribuidoras: Paramount Pictures / Warner Bros.
Pictures / UIP
Direção: Zack Snyder
Roteiro: Alex Tse e David Hayter, baseado em graphic
novel de Alan Moore e Dave Gibbons